Pesquisar neste blogue

18.4.12

Parecer sobre a Revisão da Estrutura Curricular

Excelentíssimos Senhores:

Somos uma associação composta por professores de Teatro / Expressão Dramática que têm exercido funções como docentes há vários anos (alguns há mais de 10, a maioria há mais de 3), apesar de sermos considerados “necessidades residuais”. A associação é composta por professores profissionalizados (mas sem grupo de recrutamento) e também por professores com Habilitação Própria.

Para além do trabalho que temos desenvolvido em escolas (e que não tem sido devidamente reconhecido pelos vários governos), temos lutado pelo reconhecimento e desenvolvimento da Educação Artística em Portugal, nomeadamente das disciplinas ligadas ao Teatro e à Expressão Dramática.

Participámos na “discussão pública” da proposta de Revisão da Estrutura Curricular, enviando um documento para o e-mail disponibilizado, mas também em audiências com deputados dos vários grupos parlamentares.

Depois de termos lido e analisado a proposta de Revisão “definitiva” da Estrutura Curricular tornada pública no dia 26 de Março de 2012, vimos por este meio apresentar o nosso parecer sobre a mesma, nomeadamente no que diz respeito à presença do Teatro na Educação.

1. Congratula-se o Ministério da Educação de ter promovido uma consulta pública após a apresentação da primeira proposta de Revisão da Estrutura Curricular e de ter recebido mais de 1600 contributos. Não conhecemos, infelizmente, o teor desses mais de 1600 documentos. Conhecemos, contudo, inúmeros contributos, publicados em jornais e na internet, de associações, sindicatos, partidos, movimentos, professores e outros cidadãos, cujo conteúdo contraria muitas das propostas da versão inicial do ME. É, portanto, estranho que entre uma proposta e outra não haja diferenças significativas, o que mostra que o governo encarou a “discussão” como uma mera formalidade que não levou a sério.

2. No que concerne à atualização do currículo, o Ministério da Educação propõe várias medidas, entre as quais o “reforço das áreas disciplinares fundamentais”, persistindo na ideia de que há disciplinas mais importantes que outras (mas nem sequer as especifica) e prosseguindo um caminho que redundará num empobrecimento do currículo e das capacidades das gerações futuras.

3. O Ministério da Educação propõe ainda “afirmar a identidade de disciplinas que se reúnem sobre a designação de Expressões (Educação Visual, Educação Musical, Educação Física e Educação Tecnológica)”. Não podemos deixar de registar a ironia (talvez involuntária) de um documento publicado na véspera do Dia Mundial do Teatro ignorar militantemente esta Arte tão transversal, cuja presença na Educação tem permitido desenvolver vastas e importantes capacidades nos alunos: a confiança em si e nos outros, a compreensão dos outros, a capacidade de trabalhar em equipa, a capacidade de argumentar, a responsabilização perante terceiros, a expressividade, a concentração, a memória, a dicção, a leitura, a respiração, o estar em público, o falar em público, a criatividade (tão reclamada hoje em dia), a capacidade de abstração (fundamental, por exemplo, para a Filosofia e para a Matemática), a leitura e compreensão de textos (e não só de textos dramáticos), a escrita, o sentido estético (fundamental para a formação de públicos), o conhecimento do património dramatúrgico, cultural e etnográfico, etc.

4. Este desprezo pelo Teatro é igualmente incompatível com a ideia do reforço da Educação para a Cidadania, já que a melhor forma de a consolidar é recorrer à Educação Artística, nomeadamente ao Teatro.

5. Lamentamos também que a Dança não seja mencionada nas Áreas de Expressões e que, de uma forma geral, toda esta reforma vise o empobrecimento da Educação Artística.

6. O Ministério da Educação propõe que as escolas possam “oferecer, nos 7º e 8º anos” uma disciplina, “de acordo com o seu Projeto Educativo”. Atualmente as escolas podem oferecer uma disciplina artística no 7º, 8º e 9º anos. É neste âmbito que algumas escolas têm oferecido, por exemplo, a disciplina de Oficina de Teatro, com bons resultados para os alunos, nos casos em que esta foi lecionada por professores com formação adequada. É lamentável e preocupante que o Ministério da Educação permita que esta disciplina de Oferta de Escola não seja da área artística, o que confere mais um ataque às Expressões e a permissão de que possa ser escolhida uma “disciplina” de acordo com interesses corporativos instalados nas escolas.

7. Felizmente as escolas continuam a poder disponibilizar a disciplina de Oficina de Teatro e acreditamos que muitas o farão. Contudo, não poderão fazê-lo no 9º ano, onde a Educação Artística estará meramente limitada à disciplina de Educação Visual.

8. No ponto de “Melhoria do Acompanhamento dos Alunos” o Ministério da Educação propõe “a coadjuvação na área das Expressões, por professores de outros ciclos do mesmo Agrupamento de Escolas, que pertençam ao grupo de recrutamento destas áreas”. Concordamos e reivindicamos há alguns anos que os professores de 1º Ciclo possam ser acompanhados por professores das Áreas de Expressões. Contudo, se esta colaboração se limitar aos moldes propostos pelo ME, uma vez mais a Expressão Dramática sairá prejudicada, já que os professores que a lecionam não dispõem de Grupo de Recrutamento. Lamentamos que, depois de ter acabado no Ensino Secundário, ter sido limitada no 3º Ciclo, nunca ter existido no 2º Ciclo, a Expressão Dramática se prepare para ser o “parente pobre das expressões” também no 1º Ciclo.

9. O Ministério da Educação termina o documento considerando a “revisão em curso decisiva para o futuro de Portugal”. Discordamos absolutamente deste ponto de vista, pelos pontos acima expostos. Lamentamos estar perante uma “reforma” meramente economicista, que promove a precariedade e o desemprego de professores e secundariza a qualidade do ensino, a educação para a cidadania e o desenvolvimento harmonioso dos alunos.

10. Apelamos ao Ministério da Educação para que reveja as suas posições e apelamos aos partidos, aos sindicatos, aos movimentos e aos cidadãos que proponham e promovam um debate alargado sobre estas questões. Quando tanto se fala em violência nas escolas, em abandono escolar, e na necessidade de incrementar a criatividade dos alunos, é necessário que se olhe para lá das “crises” e que se pense no futuro (é na sociedade de amanhã que se refletirão as escolhas de hoje), que tenha a Arte, nomeadamente o Teatro, como motor de um Sistema de Ensino próprio do Século XXI.